A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA BANCÁRIA - BREVES CONSIDERAÇÕES
Por: Orlando Anzoategui Junior
Fundador da Anzoategui Advogados Associados
Após anos de discussão judicial, com parcial procedência nas instâncias ordinárias, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que as taxas contratadas deveriam ser aplicadas porque não restou comprovada a onerosidade excessiva e o desequilíbrio contratual no empréstimo bancário. Em fase final processual de liquidação de sentença, o cálculo pericial contábil resultou num valor astronômico e impossível de ser pago, restando evidente a iniquidade e a imoralidade do julgado ao apontar uma dívida atualizada de 100 milhões de reais sobre o valor executado de 50 mil reais pelas taxas e condições imputadas pelo banco. Diante de resultado iniquo e imoral do julgado, comprovando-se que realmente não era uma ilação da parte devedora quanto a ocorrência de onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual, restando comprovada suas arguições neste sentido, caberia a aplicação da relativização da coisa julgada a fim de resguardar direito e patrimônio da parte, consoante os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.
A respectiva ponderação busca analisar a relativização da coisa julgada bancária, com foco nos reflexos econômico-financeiros oriundos dos mais variados casos que resultam na difícil ou impossível resolução no momento da implantação do julgado, especialmente na fase pós liquidação de sentença onde ficam nítidas as razões expostas pelos devedores e fiduciantes ao alegar a patente onerosidade excessiva e o desequilíbrio contratual que redundaria num valor esdruxulo e impagável, bem como em erros materiais gerando crédito elevado, razão pela qual é que se socorreram ao poder judiciário.
Todavia, seja por falta de aprofundamento ou de não assertividade das partes processuais, o fato é que o poder judiciário não se deixa avançar na matéria, mesmo o próprio atestando que o Pais tem a maior taxa de juros do mundo e a abusividade é propalada, vem se limitando ao ultrapassado pacta sunt servanda e taxas contratadas como se fossem uma verdade incontestável; o que se verifica é que na fase do cumprimento da sentença fica muito claro a dimensão derivativa dos excessos dos excessos dos casos bancários, e na maioria da vezes, após a implantação dos cálculos em liquidação de sentença, depara-se com situações tão desproporcionais que o próprio poder judiciário se sente perplexo e incomodado pelo resultado final e iníquo.
A coisa julgada é instituto vinculado ao princípio geral da segurança jurídica e de natureza Constitucional, tratando-se de cláusula pétrea, conforme dispõe o artigo 60, § 4º da Carta Magna, prevista no rol de direitos e garantias fundamentais, amparada no artigo 5º, inciso XXXVI: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Relativo a coisa julgada em voga, trata-se de assunto de proeminente indagação na seara Jurídica, notadamente complexa, sob sempre a crível vigilância da maioria doutrinária pelo receio de sua banalização, o que é salutar; porém, relevando-se contextos mais avançados, com efeito, determinados casos concretos devem ser melhor condensados ao mundo jurídico diante de suas excepcionalidades quando coisa julgada a ser relativizada ante as novas teorias e controvérsias contemporâneas.
Com efeito, os Tribunais Superiores tem interpretado e aplicado o instituto da relativização da coisa em determinadas circunstâncias e situações excepcionais que acabaram por transpor e atingir princípios norteadores do bom direito e do justo. Neste contexto, o judiciário ao relativizar o julgado diante da expecionalidade, interrompe a consecução dos atos judiciais e modera a controvérsia de modo a mitigar e prover o jurisdicionado com uma resolução mais equânime à questão suscitada, afastando a perseguição por um resultado imoral, desconexo com a realidade e que não alcança a verdade dos fatos, alicerces do Estado-juiz.
À luz da satisfatividade do direito e da efetividade processual, quando patentes o conflito de princípios e da norma constitucional na coisa julgada, aplicável a relativização a fim de modular e dotar o respectivo julgado de variável a construir uma metodologia una e apropriada àquela determinada situação, que prescinde ser adequada em tempo oportuno antes que os danos sejam irreversíveis.
No caso em comento, não há como afastar a aplicação do princípio da razoabilidade e negar o patente conflito de normas constitucionais com o julgado que extrapola até mesmo a pretensão do exequente e o valor dos bens executados envolvidos, em total descompasso com o justo e a ética ponderável.
A metodologia a ser aplicada pelo juízo visando a melhor resolução nestes casos é por meio da técnica da ponderação, cuja persecução não é a execução engessada do julgado, mas sim harmônica e prática a preponderar o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade às demais normas constitucionais de modo a reduzir o “quantum debeatur” de forma justa e razoável.
Especialmente se deve atentar que se trata de matéria resguardada pelas normas consumeristas a favorecer sempre a forma menos onerosa ao devedor e consumidor, cabendo ponderar as possibilidades e as justificativas aplicáveis ao caso concretos pelos elementos probatórios e circunstancias a alicerçar a propalada relativização do julgado.
No caso em questão, como se trata de um resultado destoante da realidade e do justo, a equalização equitativa visando a resolução da demanda passará também pela busca em comum dos jurisdicionados – sob a liderança do juízo quanto ao denominador comum, utilizando-se o poder judiciário da metodologia da conciliação para compor a decisão.
Neste ponto, importante que o poder judiciário propicie medidas conciliatórias, expondo a complexidade da situação e os parâmetros envolvidos na questão que poderão ser abordados diante das disparidades existentes, sendo importante promover o equilíbrio e o devido balanceamento, afastando a possibilidade do resultado arbitrário.
Mais importante ainda será a atuação colaborativa entre os advogados na causa na busca da resolução da questão, não sobrecarregando somente o poder judiciário, utilizando-se da melhor técnica e conhecimento da situação às partes processuais, especialmente quanto aos reais reflexos que poderão advir se a discussão processual for ampliada, bem como os pontos positivos na busca em conjunto pela definição, com a efetiva participação de todos.
Como se trata de uma situação destoante e iniqua, dificilmente a questão será resolvida se não for condicionada a termos pelas partes, tampouco o juízo conseguirá avançar, o que ocasionará certamente a necessidade para que as instâncias superiores equalizem a situação esdruxula, precisamente ao valor em liquidação totalmente diverso do justo e aceitável no mundo jurídico.
Caso não surtam efeitos as medidas conciliatórias, diante do engessamento da resolução do julgado desproporcional, ante ao conflito das normas constitucionais ao caso concreto, certamente a questão destinará aos Tribunais Superiores e especialmente ao Superior Tribunal de Justiça, já que patente a necessidade e adequação da infringência constitucional
Especialmente, no caso em tela, na época do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, o voto foi bem claro que não havia comprovação de desequilíbrio contratual e de lucros excessivos pelo banco naquele momento. Hoje em dia a discrepância e o excesso são evidentes. Ora, se a prova pericial criou distorção e o julgado está intoxicado por vertentes e falta de clareza, a razão direcionará para caminhos a mitigar e abrandar as onerosidades daí decorrentes, balanceando a coisa julgada.
Neste contexto prático, A questão serve de alerta e maior atenção pelos Tribunais Superiores pátrios diante da relutância do poder judiciário em se aprofundar nas discrepâncias, nas incongruências e na falta de higidez das decisões às discussões bancárias, e seus reflexos aos jurisdicionados, gerando resultados inoperantes e arbitrários na liquidação dos julgados bancários, sobrepondo-se a qualquer lógica matemática financeira, ao ponto de resultarem em valores imorais, esdrúxulos e incabíveis.
Sobre o advogado Orlando Anzoategui Junior
Advogado graduado pela Universidade Estadual de Maringá em 1994, pós-graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com especialização em Direito Financeiro, Bancário, Imobiliário, Sistema Financeiro da Habitação e Urbanístico. Presidente da Comissão da Habitação e Urbanismo OAB-PR (2004-2006). Autor de diversos artigos e palestras.